Um teste
por Thiago Gallego
ontem à noite comecei a ler o livro
novo da marília garcia
um teste de resistores
comecei a ler pelo último poema
a poesia é uma forma de resistores?
comecei a ler pelo último poema
porque já tinha ouvido uma versão dele
lida pela marília na casa de
leitura dirce côrtes
no humaitá
e tinha vontade de ouvir de novo
acontece que quando li o último
poema
a poesia é uma forma de resistores?
não era a minha voz na minha cabeça
que lia o poema
era a voz da marília nos encontros
da casa de leitura dirce côrtes
e hoje no ônibus quando comecei o
primeiro
poema e o que vem logo depois dele
ainda era a voz da marília na minha
cabeça
fiquei fascinado pela ideia de ler
com uma voz e um ritmo
tão diferentes do meu
fiquei fascinado e imaginei que
todo o livro seria isso
desci do ônibus pensando com aquele
ritmo aquela voz e escrevendo com eles
também
passei o dia assim
ao contrário do que eu esperava
conforme avançava
no anfiteatro da puc
em outros dois ônibus
a voz na minha cabeça foi se
tornando um híbrido
entre a da marília e a minha
ora era como eu e quase só eu
lendo
ora era a marília
mas na maior parte
um dueto
escrevo com algum medo de que soe
uma tentativa
de imitar texto tão vivo
ainda assim escrevo
num híbrido algo tosco
de vozes
porque acho bonito
muito bonito
quando uma coisa dessas
um ataque direto do poema no corpo
feito bactéria
acontece