O mito da originalidade
por Wograine Evelyn
Ser original parece ser uma característica positiva por excelência. Quando nos deparamos com a missão de criar alguma coisa, quando precisamos atribuir valor a algum objeto estético ou, até mesmo, quando exercemos o papel de crítico, quase que naturalmente, elegemos a originalidade como um critério definidor de qualidade.
Contudo, é instigante que o poder de determinar a originalidade pareça algo tão natural a ponto de confiarmos, cega e indiscutivelmente, que um crítico o possua, e ainda mais, que nós – qualquer indivíduo – possamos usufruir deste poder com supostas segurança e espontaneidade. Pergunto-me se existirá alguém no mundo com um repertório teórico e arsenal de conhecimento sobre arte tão completos que possa dizer-me o que é ou não imitação. O ser contemporâneo parece estar impregnado da noção de originalidade como um fator positivo e necessário e, imbuído dessa certeza, nem ao menos critica a relevância de ser original, ou pior, se é realmente possível sê-lo.
Se compararmos um quadro do Renascimento com um quadro vanguardista, certamente estaremos aptos a apreciar os dois. No entanto, a mesma comparação poderia nos levar a pensar que a originalidade nem sempre foi tida como um valor positivo. Quero dizer, para herdeiros de Modernismo que somos, é fácil aceitar e valorizar a obra vanguardista, mas situamo-nos em contextos diferentes, e isso poderia não se dar. No Renascimento, por exemplo, qualquer trabalho que não estivesse dentro da métrica e do parâmetro estabelecido não teria valor positivo, e, talvez, nem arte seria. Durante séculos a arte esteve marcada por regras e modelos a serem copiados. O modelo, considerado arte de qualidade, servia como único método de referência, deveria ser copiado, e copiar era visto como algo muito bom.
Sendo assim, como, para nós, é praticamente impossível não pensar em originalidade quando se fala em avaliação/crítica artística? Enumero duas razões pela qual a originalidade teria alcançado sua ascensão e se firmado como um dos mais recorridos critérios de avaliação. A primeira delas deve-se ao Romantismo.É nesse período que o valor do individual, autêntico e original torna-se positivo e o autor passa a buscar sua expressão pessoal através da inspiração.Segundo Costa Lima, “em lugar da imitação, a poesia se justifica como expressão de uma alma superior, que não tem modelos a seguir, nem outras regras se não as que demanda sua inspiração. A literatura deixa de ser um jogo de salão para tornar-se manifestação sincera de uma alma desconforme”(LIMA, 2002). Como o artista precisa mostrar sua individualidade, sua obra precisa ser autêntica. É por isso que aparece na arte a violação de regras e medidas, e estando esta violação bem recebida pela crítica, surge cada vez mais forte o desejo de apresentar algo novo, ser original. Isso se torna muito forte no Modernismo, em que o lugar comum, a regra, a gramática e todos os valores antecessores são desprezados.
A segunda razão é a “Querela do Antigos e Modernos”, uma controvérsia que ocorreu entre intelectuais franceses e que teve início no século XVII, mais precisamente a partir de 1687. A discussão foi constituída por duas ideias opostas: aquela que defendia a necessidade de se recorrer às citações dos clássicos do mundo greco-romano ou aquela que defendia a busca de inspiração em obras recentes. No primeiro grupo, temos os Antigos, aqueles que valorizam o conhecimento obtido no passado, os artistas e os modelos pré-estabelecidos. Para eles, os escritores que os antecedem são como deuses que possuem a autoridade em algum assunto, merecem e devem ser copiados. E, no segundo grupo, temos os Modernos, que acreditavam ser tão bons quanto ou até melhores que seus antecessores. Eles acreditavam na ideia de progresso, descoberta e aperfeiçoamento. A “Querela dos Antigos e Modernos” – discussão retomada no Romantismo - desencadeou o pensamento de que é preciso romper com o passado e buscar uma autenticidade para o próprio período, de que não é preciso copiar o que já foi feito, mas sim tornar a arte uma capacidade criadora e inovadora.
Além disso, no século XVIII, com a valorização do individual e o descaso com regras e normas, o lugar que norteava a arte – ocupado, anteriormente, pelos modelos – fica vazio e é preciso ser ocupado por algo ou alguém. É nesse contexto que, contemporaneamente, surge o conceito de gênio. É o gênio quem ocupará o lugar que antes era dos modelos. Se antes os modelos eram a fonte de orientação para a construção de uma obra estética, agora o gênio e sua inspiração passavam a ser a fonte e origem da nova criação.
O panorama histórico do tratamento dado à originalidade permitiu verificar que é em um determinado contexto social e histórico que este conceito se afirma. Assim, é provável que a noção de originalidade esteja mais próxima de ser um ideal romântico e um mito consagrado do que, de fato, uma expectativa razoável. Enxergar a originalidade pela via romântica não é necessariamente um erro, porque, afinal, somos herdeiros do Romantismo. No entanto,sempre é bom poder olhar sob outro ângulo, é mais completo. A Literatura Contemporânea se encarrega de formular novos tratamentos para este critério e espero em minha próxima oportunidade poder compartilhá-los.
Wograine Evelyn cursa Licenciatura Bilíngue e, no PET, pesquisa sobre a Noção de originalidade e sua transformação ao longo da história dos estudos de Literatura, orientada pela Professora Daniela Versiani.
Obras de referência:
LIMA, Luiz Costa. “A questão dos gêneros”. In:___ (Org.). Teoria da literatura em suasfontes, V.1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 255-292.
Modernos contra antigos, a querela do século XVII. Disponível em: <http://educaterra.terra.com.br/voltaire/cultura/2009/08/12/000.htm> Acesso em 14 de março de 2013.