Entrevista com Pina Coco
Por mais que Nelson Rodrigues tenha dito que toda unanimidade é burra, há algo unânime em relação aos estudantes de Letras da PUC–Rio que em nada é atrelado à burrice: a admiração e o carinho pela professora Pina Arnoldi Coco. Admiradora da obra de Nelson, ela orientou pesquisas e teses de mestrado em que pôde auxiliar jovens interessados pelo trabalho dele. Mas não é somente sobre Nelson ou sobre os aspectos curriculares de Pina Coco que pretendemos falar aqui. Pina é acima de tudo uma apaixonada pelos alunos e pela arte de ensinar, e daí vem o imenso carinho e respeito que todos sentem por ela. Quando nos recebeu para esta entrevista, Pina logo mostrou o bonequinho de pelúcia sentado numa cadeira de balanço, com o corpo coberto de assinaturas e recados coloridos. “Foram meus alunos que me deram. Eles se intitulam os ‘Loucos da Pina’”, explicou orgulhosa do presente.
Desde 1975 na PUC, quando voltou ao Brasil depois do mestrado na França, Pina já passou por diversos cursos da graduação e da pós. Nos últimos anos, foi a responsável pelo curso de Oficina de Produção Textual na graduação. Em 2012, ela se dedicou a um curso oferecido pelo CCE, e ressalta que ficou bastante entusiasmada com a turma. “O público do CCE é bastante heterogêneo e fiquei surpresa com a resposta que tive. Foi um grupo muito talentoso.”
Ficar parada definitivamente não está nos seus planos. Neste ano, além de voltar ao curso do CCE, que aumentou consideravelmente de público, existe a possibilidade da criação de uma oficina virtual. Para alguém que afirma adorar o contato com os alunos, tanto prazer em continuar dando aula não é de se estranhar. “Eu gosto de aluno. Para mim, o melhor em estar em sala de aula são os alunos. Sem demagogia nenhuma, gosto muito, muito mesmo. No semestre, eu sei muito rapidamente quem é quem e me interesso pessoalmente por cada um. Fico muito amiga de alunos antigos e procuro sempre manter contato”.
Esse prazer de estar entre alunos certamente colaborou para a longa história que Pina construiu com o PET-Letras. Ela foi não só a primeira tutora do PET, como também redatora do projeto, que saiu do papel em 1996, em parceria com a professora Liliana Bastos. A natureza do programa requer, acima de tudo, disposição para o trabalho coletivo, tanto dos bolsistas quanto do tutor. “Eu gosto de trabalhar com grupo, com gente. Pessoalmente, prefiro trabalhar com um grupo grande e enfrentar todos os pequenos probleminhas do que trabalhar com uma pessoa só. Para mim, ser tutora do PET foi muito prazeroso.”
Não é a toa que Pina foi tutora do PET por mais de dez anos. “Eu sempre lutei muito pelo PET, mas nem sempre foi fácil. Tanto pela dificuldade de administrar doze cabeças diferentes, como pelas dificuldades burocráticas. Por outro lado, acho que eu talvez tenha sido tutora por tempo demais. É preciso renovar. Não dá para a mesma pessoa ficar por dez anos. Uma hora vira rotina. Os alunos são outros, mas você é sempre o mesmo”, diz.
Quem a conhece sabe que seus campos de interesse são bastante variados. Passando por Nelson Rodrigues e romances policiais, ela sempre transitou bem à vontade entre os mais diversos assuntos que tangenciam a Literatura. “Eu sempre gostei de mexer com cinema, teatro, televisão. Com coisas consideradas marginais, também”, ela diz. E é aí que entram, por exemplo, as telenovelas.
Pina nunca escondeu seu entusiasmo pelo gênero e a vontade de que ele fosse mais explorado dentro do seu departamento. “A maioria do material que se tem sobre novelas, quando não é produzido por curiosos, também não é produzido pelo pessoal de Letras. No entanto, deveria ser, porque se trata de um trabalho de ficção. É um folhetim, um romance, só que feito para televisão. O próprio horário das 18 horas era um horário de adaptações. Quase todo o Romantismo brasileiro passou por lá. Não vejo porque as novelas não seriam objeto de Letras.”
Sempre disposta a trabalhar com folhetins, Pina lembra como não era fácil abordar o assunto como objeto de pesquisa entre seus alunos da universidade. “Era difícil convencer alguém a pesquisar novela”, ela diz. “Mais recentemente consegui que uma aluna trabalhasse com Capitu, do Luiz Fernando Carvalho, o que foi ótimo. Ela era uma noveleira.”
E a que atribuir tanto desconforto com o assunto? “As pessoas ainda têm muita vergonha de assumir que assistem à novela. Há novelas muito ruins, mas há novelas com muitas qualidades, como em qualquer lugar. Tem muito romance ruim, muita poesia ruim. Você tem gradações nos próprios folhetins: alguns são lamentáveis, outros viraram clássicos”.
Já com Nelson Rodrigues, a história foi outra. Os interessados sempre foram muitos. Por outro lado, poucos se voltavam para sua prosa. “Nelson é teatro”, ela afirma, ao recordar as preferências de seus orientandos. “Ninguém escreveu sobre os folhetins. Nem mesmo sobre A vida como ela é”.
Isso, contudo, lhe parece estranho, já que, para ela, o Nelson que escrevia folhetins tem a mesma qualidade do dramaturgo. “Nelson seria um excelente novelista. Ele não renegava os folhetins e nunca escondeu que seu sonho era escrever um grande romance. Não é como se Suzana Flag fosse se prostituir em benefício do dramaturgo. Para ele, tudo tinha o mesmo valor.”
Embora as tentativas com novelas e com a prosa de Nelson Rodrigues não tenham sido muito frutíferas, ela se recorda de quando convenceu uma aluna da graduação a pesquisar Paulo Coelho. Entretanto, a pesquisa se voltaria menos para a literatura do que para o próprio autor. “Eu acho a trajetória dele incrível”, ela diz. “O Paulo Coelho é um cara que vem da subcultura, que era parceiro do Raul Seixas. É um escritor pop que não tem vergonha de ser. Está riquíssimo porque escreveu, não porque roubou ou nasceu em berço de ouro. Não entrei no mérito da qualidade da escrita, meu interesse era mesmo na trajetória dele.”
Pina lembra com carinho o nome de alunos e ex-alunos, entre eles as novelistas Lícia Manzo e Cláudia Lage e o ator e roteirista Gregório Duvivier. “O Gregório foi meu bolsista PET durante só três meses, porque ele tinha a cabeça hiperativa. Acompanho com muito prazer a carreira dele. Eu adoro o Porta dos Fundos”, diz, em referência ao canal de vídeos que Gregório mantém no YouTube. “É bem Monty Python e muito bem feito, com uma produção excelente.”
Para ela, estar no PET é uma das diversas maneiras de assumir uma postura proativa que todo aluno da graduação deve ter. “Você já está dentro da universidade. O que você pode fazer por ela? O que você pode fazer por você, para a sua trajetória? Um aluno não pode deixar de se fazer essas perguntas".
Entrevista por João Miguel e Luiza Frizzo Trugo | Fotos por Luiza Frizzo Trugo