Amélia, a história de duas vidas em 20 minutos

por Paula Barreto

Às vezes, por ínfimos momentos, a vida para. O mundo para, também. As pessoas à sua volta deixam de existir, ou então viram traços borrados, sem forma definida, como em uma pintura surrealista. A vida parou pra mim no instante em que ela entrou no ônibus. Meu deus, como era linda! Tinha cabelos louros que chegavam à cinturinha fina, lisos perto da raiz mas maravilhosamente ondulados perto do quadril. Os olhos eram de um azul chuvoso, como se não conseguissem decidir se queriam mesmo ser azuis ou cinzas. Adoráveis sardas alaranjadas dançavam em sua pele branquinha, e a bochecha, em especial, tinha um tom mais rosado. Era uma graça de menina! Não consegui tirar os olhos dela a viagem inteira, que, pela primeira vez, quis que durasse horas. Podia ficar ali para sempre observando cada pequeno movimento da... Nathália? Gabriela? Isadora? Não, nenhum desses. Ela tinha o rostinho redondinho de uma Letícia. Mas era muito comum, e ela com certeza era extraordinária. Resolvi nomeá-la Amélia. Não sei bem da onde surgiu o nome, mas assim que me veio à cabeça, pareceu ser o certo.

Ah, Amélia! Pensei em tomar coragem para sentar ao seu lado e dizer quão linda é! Pensei em dizer como adorei seu jeitinho particular de colocar o cabelo atrás da orelha, como as suas unhas do pé pintadas de carmim eram lindas e como tive vontade de me afundar nos seus seios e sentir a quentura da sua pele. Mil imagens passaram-se em minha mente. Você correndo descalça pela grama, você sujando a boca de bolo, você lendo um livro na varanda, você de cabelos molhados e pele fresca me abraçando, você, você, você. Te imaginei nua, te desejei. Em meu imaginário te cheirei, beijei, abracei, acariciei, consolei... tudo no espaço de cinco minutos. Quis que você viesse até mim, falasse comigo, citasse Walt Whitman ou qualquer poetinha de quinta categoria, mencionasse a crise econômica mundial ou o último capítulo da novela. Quis sentir suas unhas no meu cabelo, sua perna branca e fina embolada com a minha, a renda da sua calcinha, o cheiro de sabonete no seu pescoço...

Havia uma batalha dentro de mim o tempo todo. Enquanto ilusionava duzentas coisas, me perguntava se deveria ir até você. Imaginei como seria se desse certo. Como você me beijaria na areia molhada da praia, mordendo meu lábio e acariciando meu ouvido. Como no seu aniversário eu te daria um cordão de ouro que não sairia do seu pescoço e que você estaria usando até nas nossas mais longas noites de sexo. Como tomaríamos sorvete de flocos vendo Simpsons enquanto a chuva caía pesada de um céu negro e ameaçador do lado de fora da janelinha do seu quarto. Como você dormiria de pijama, moletom e meias de bolinha azul e me acordaria com um beijo na ponta do nariz. "Poderia eu ter tudo isso? Poderia eu ser tão feliz assim? Valeria a pena me arriscar?" Estas perguntas não saíam da minha cabeça enquanto a paisagem ia mudando do lado de fora da janela do ônibus, mas eu não prestava atenção nelas. Nem ao menos sabia onde estava. Meus olhos grudaram em você como ímã gruda em geladeira. Poderíamos ter ímãs dos nossos filmes preferidos quando morássemos no nosso apartamento. Faríamos uma coleção e a cada viagem que fizéssemos, traríamos mais, até a geladeira estar toda coberta e colorida. Poderíamos ter um monte de coisas, eu sei. Poderíamos juntar nossos livros e fazer uma biblioteca pequena, que teria uma janela bem grande, porque você só deve gostar de ler à luz natural. Você parece gostar da natureza, de ser livre.

Livre... linda e livre. Eu nunca quis tanto alguém como quis você. Como ainda quero, mesmo agora, dias depois. Às vezes, acordo na minha cama de solteiro e me arrependo por não ter tido a coragem de ir falar com você, de te dizer que achei que criatura mais perfeita nesta galáxia não há. Mas não fui. Não me levantei. No final, cheguei à conclusão de que muitos garotos te falam que é linda todos os dias. Que te querem e te desejam. Você não precisa ouvir isso de uma garota qualquer que só teve a sorte de estar no mesmo ônibus que você.


"AMÉLIA, A HISTÓRIA DE DUAS VIDAS EM 20 MINUTOS", de Paula Barreto, foi o vencedor da categoria Destaque PET em Prosa no IV Prêmio Paulo Britto de Prosa e Poesia.