O ritual
por Bruna Karyne Romeu Fernandez Ribeiro
O homem aguardava paciente. Ele apreciava
absorto o silêncio da escuridão noturna e se deleitava com a antecipação dos
prazeres que ela lhe reservava. De vez em quando, deixava seu corpo fugir ao
controle e se retorcia de prazer diante dos pensamentos que invadiam a mente -
não as lembranças de todas as outras vezes em que tinha feito isso, e sim a
fantasia de como seria a próxima. Era sempre a próxima que importava, porque
ela renovava o ritual, dava-lhe novo fôlego.
Eram quinze para as onze. A essa hora,
seu Floriano, o único vizinho, já estava dormindo. A esposa acabara de ligar
para avisar que já havia chegado ao aeroporto. Dali a algumas horas, embarcaria
no voo e estaria de volta em casa. Mas ele não tinha pressa, sabia que estava
no controle. E essa capacidade de brincar com a ignorância alheia só o excitava
ainda mais. Não pararia nem que quisesse, nem que pudesse. O gozo da
onisciência não permitia. Nem o amor pela filha.
Às onze em ponto, a campainha tocou. A
moça estava adiantada. Ele se levantou calmamente da poltrona onde estava e foi até a porta. Uma ruiva em trajes mínimos o esperava do lado
de fora. A semelhança era inegável, de fato, mas ainda não era ela. Não com
aquela roupa de vagabunda, batom vermelho e cabelo bagunçado. Não com aquele
sorriso lascivo e olhos fogosos. A garota precisava ser preparada. Antes que ela
pudesse falar qualquer coisa idiota e desperdiçar o tempo dos dois, ele a puxou
para dentro, ríspido. Odiava esse primeiro momento em que todas achavam que
eram muito sexy e, soberbas, se
consideravam ingenuamente capazes de realizar todos os seus desejos,
experientes como eram. Não realizariam nem metade e, se ainda assim ele as
contratava, não era porque se sentia atraído por quem elas eram - na verdade,
delas não sentia nada além de nojo -, e sim por quem elas poderiam ser. A pessoa
que elas lembravam.
Sem lhe dizer sequer uma palavra, fez
sinal para que o seguisse e a levou até o quarto da filha. Camisola, calcinha e
presilha já haviam sido delicadamente colocadas em cima da cama horas antes.
Apontando para elas, ordenou que a menina as vestisse e depois o encontrasse na
sala. Deixou-a. Foi até o quarto, pegou algodão, papel escortex e o removedor
de maquiagem da esposa e sentou-se novamente na velha poltrona da sala. Onze e
dez.
Pouco tempo depois, a garota apareceu. A
camisola translúcida deixava transparecer seu corpo pálido e fraco, e, durante
algum tempo, o homem se limitou a observá-lo de longe. Ele precisava perceber e
corrigir cada imperfeição para que nada estragasse o seu momento. Por vezes,
essa primeira fase, de análise e exame, podia ser não só extenuante, mas também
frustrante. Ele sabia muito bem o que via, não era louco: elas não eram Ela.
Ninguém jamais seria, tampouco ele o queria. Porém, já que ela tinha ido
embora, que mais poderia fazer além de se contentar com parcos simulacros? Que
mais lhe restava além da esperança de satisfazer, ainda que mal, seu desejo
insaciável de possuí-la e, depois, naturalmente, extirpar o pecado pela morte?
Ele já não tinha opção. Se não continuasse o ritual, se não vivesse e
revivesse, ano após ano, aquela noite derradeira, não teria qualquer razão para
existir. O desejo, a culpa e o prazer mórbido e fugaz que advinha dessa mistura
masoquista dos dois eram o seu combustível. Ela não precisava estar viva para
que ele a amasse e, principalmente, não precisava estar viva para que ele dela
desfrutasse. Embora, às vezes, fosse fustigado por uma saudade lancinante,
sabia que jamais teria coragem de tomá-la em seus braços e dominá-la como fazia
com todas as outras e, por isso, preferia-a morta como estava. Intolerável
seria olhá-la todos os dias se aproximando cada vez mais de homens
desconhecidos, que nada tinham a lhe oferecer, e fingir que o que sentia era
apenas um ciúme paternal; e não amor, amor carnal. Não vontade de jogá-la na
cama e torná-la mais ainda dele, mais do que já era. Portanto, por mais que
elas não fossem Ela, serviam, precisamente porque eram só disfarces, ilusão. E
se ele as consertasse e, depois, tirasse os óculos, funcionariam adequadamente.
Desta vez, teria menos trabalho: o corpo
da garota era bem parecido com o de sua filha e a depilação íntima havia sido
feita exatamente de acordo com o que ele pedira semanas antes. Os seios realmente
eram um pouco maiores do que esperado, a altura também, porém nada muito
relevante. De repente, ele enxergou o maior problema: o rosto. Aquela maquiagem
nojenta de rameira punha tudo a perder, não só porque denunciava a realidade,
mas, principalmente, porque blasfemava contra a memória de sua amada filha,
pura e maculada somente por ele mesmo. Furioso diante da afronta, avançou sobre
a garota e a encurralou em um canto escuro - não aguentava ver aquele
sacrilégio -, esfregando o papel em sua boca com toda a força que tinha. Quanto
mais batom saía, mais prazer ele sentia. Ainda no escuro, pegou o algodão e o
removedor e começou a limpá-la, regozijando-se a cada segundo. Aquele era o
momento em que as vadias sumiam e sua filha, sua querida filha, voltava à vida
e, encarnada naqueles corpos vãos, deixava-se possuir pelo amado pai. Era o
momento em que ela manifestava todo o seu amor e coragem e se entregava a ele,
de bom grado. Algo tão vazio e comum como a morte não atrapalharia isso: ela
sempre pertenceria a ele, carnal ou espiritualmente. Eram onze e vinte. Quando
terminou de limpá-la e tirou os óculos, seus olhos brilharam. Finalmente, era
Ela que estava ali, pronta para ser dominada. Deu-lhe um beijo suave e cálido e
começou:
- Que saudades de você, meu anjo... Você
sabe como eu espero por esse momento, ano após ano. O dia em que você volta
para mim...
Como não sabia o que fazer, a garota
continuou calada.
- Você deve estar exausta, foi um dia
longo, não? Deixa que o papai te coloca na cama.
Emocionado, ele a pegou pela mão e a
levou novamente até o quarto. Deitou-a na cama, cobriu-a com o cobertor
preferido da filha, e deu-lhe um beijo de boa noite na testa.
- Tenha bons sonhos, meu amor.
Saiu do quarto e fechou a porta. Onze e
meia. Ele vestia exatamente o que vestia na noite em que a filha tinha morrido.
Desde então, só isso o consolava. Esperou algum tempo até ela dormir e, quando
achou que já havia se passado o suficiente, entrou sorrateiramente no cômodo,
intacto desde a morte da filha. Venerou-a lá deitada, inocente e desprevenida.
Andou calmamente até a cama e passou a mão pelo seu corpo, beijando-o
lentamente. Encantado demais para se controlar, entregou-se à arte de reviver
tudo aquilo que, durante certo tempo, tolamente tentou esquecer. Deitou-se em
cima dela, colocou as mãos sobre sua boca, exatamente como havia feito cinco
anos atrás, abriu a calça e se entregou à paixão. A garota acordou e, atendo-se
ao teatro pelo qual havia sido paga, fingiu estar atordoada e, logo em seguida,
aterrorizada. Começou a se debater e a tentar gritar, porém ele a possuía com
cada vez mais força e urrava de prazer. Prazer e dor, prazer e vergonha, prazer
e culpa.
Tão logo gozou, olhou para baixo e viu,
enfim viu, sua própria filha, aquela mesma que ele ninou, acariciou e levou
para escola tantas vezes. Aquela menina que agora o encarava em pânico e escondia
suas lágrimas, desejando nunca ter acordado para viver na ilusão de que aquilo
havia sido apenas um terrível pesadelo. Tomado pela vergonha, quis poupá-la.
Pedindo perdão, colocou as mãos em seu pescoço e estrangulou-a. Ele não a merecia
e nem ela merecia aquilo. Portanto, para livrá-la do mal, precisava fazer esse
sacrifício e dar-lhe paz. Estrangulou-a por amor e, enquanto o fazia, entre
lágrimas e espasmos, reiterava:
- Não se preocupe, meu anjo. Papai está
com você. Sempre vai estar.
À meia-noite, ela morreu. A prostituta e
a filha.