Lindas tolinhas


por Luíza Gama

Devido à adaptação de Baz Lurhmann para o cinema de O Grande Gatsby, romance de 1925 do escritor americano F. Scott Fitzgerald, muito se falou sobre a Era do Jazz esse ano. A década de 20, também conhecida como “The Roaring Twenties”, encontrava-se mais do que nunca sob os holofotes do público. A moda, a música e a dança características da época atraíram atenção e interesse, mostrando-se cativantes. Mas o que foi a Era do Jazz? A Era do Jazz foi um período durante a década de 20 americana marcado pela prosperidade econômica, pelo desenvolvimento de novos meios de entretenimento e, sobretudo, pela revolução no comportamento num momento em que as normas conservadoras prevaleciam.

Após a Primeira Guerra Mundial, os EUA eram a economia mais poderosa do mundo. Com o acesso a novos meios culturais, as pessoas não ficavam mais em casa: elas iam ao teatro, ao cinema e a festas. Os jovens, que passaram pela adolescência durante o período de guerra, encontravam-se desiludidos com um futuro imprevisível, onde uma nova guerra poderia emergir a qualquer momento. Dessa forma, eles decidiram viver como se não houvesse amanhã. Não é à toa que F. Scott Fitzgerald definiu a Era do Jazz como “uma era de excessos” (FITZGERALD, 1931, p. 460); seja na ostentação de glamour, nas práticas sexuais, nas festas ou no uso excessivo de álcool. Embora a Lei Seca vigorasse nos Estados Unidos, isso não impediu o comércio e o consumo ilegal de bebidas.

De acordo com Fitzgerald em seu ensaio Echoes of the Jazz Age, a Era do Jazz teve início em 1919 ao término da Primeira Guerra Mundial e "morte" em 1929 – ano da Queda da Bolsa de Valores, o que desencadeou a Grande Depressão (FITZGERALD, 1931, p. 459). De fato, não é possível falar deste período sem mencionar Fitzgerald cujos romances e inúmeros contos retrataram precisamente uma geração inteira. Aliás, foi ele próprio quem cunhara o nome "Era do Jazz". O escritor era visto como um especialista que melhor soube descrever sua época. A associação entre o seu nome e a da era do Jazz viria a perseguir a carreira de Fitzgerald até o fim de sua vida uma vez que o público esperava encontrar nos trabalhos do escritor os mesmos temas, particularmente no que se refere às flappers

A Flapper é considerada um dos ícones da Era do Jazz devido ao seu comportamento nada convencional e ao modo como revolucionou a moda feminina dos anos 20. As jovens flappers eram contra a noção de que a mulher devia ser submissa ao homem e de que seu lugar era no ambiente doméstico. Elas frequentavam festas, dançavam o Charleston (entre outras danças consideradas sensuais para a época), dirigiam, bebiam e fumavam publicamente e eram mais abertas ao sexo casual. As flappers também inovaram na moda abandonando a vestimenta edwardiana de suas mães, substituindo vestidos longos e de gola alta por peças que se estendiam até os joelhos. Além disso, ousaram na maquiagem e adotaram um visual mais andrógeno, livrando-se dos fios compridos e usando seus cabelos bem curtos. 
(à esquerda) A Gibson Girl: ideal de beleza feminina do final do século XIX até o início do século XX
(à direita) a atriz e dançarina Louise Brooks, ícone da década de 20. 
Rosalind Connage, personagem do primeiro romance de F. Scott Fitzgerald – Este lado do paraíso (1920) – é considerada “a flapper americana legítima”. A personagem foi baseada em uma das principais fontes de inspirações da literatura de Scott: sua esposa, Zelda Sayre Fitzgerald. “A heroína se assemelha a você em muitos aspectos (...)” escreveu Scott num bilhete para Zelda quando lhe enviou um dos capítulos de Este lado do paraíso (MILFORD, 1970, p.8). Zelda disse em entrevista ao The Courier Journal que amava os livros e as protagonistas do marido, sobretudo as que se pareciam com ela. “Gosto de sua coragem, da sua imprudência e da sua extravagância”. (BRUCCOLI, 2003, p.112)

Zelda era conhecida por sua beleza, por seu comportamento rebelde e atrevido. Ela e Fitzgerald eram extremamente apaixonados um pelo outro, porém tinham uma relação turbulenta, sobretudo pelo alcoolismo de Fitzgerald e pelos ciúmes de Zelda que aos poucos se viu ligeiramente aborrecida por viver à sombra do marido. A situação do casamento agravou-se quando ela foi diagnosticada mais tarde com esquizofrenia. 

Zelda Sayre e F. Scott Fitzgerald
Zelda Sayre não só serviu como inspiração para a primeira protagonista de Fitzgerald, como também teve um papel definidor na literatura dele. E Scott, ao escrever continuamente sobre as flappers, teve um papel determinante na disseminação de sua popularidade. Mas até que ponto as personagens de Fitzgerald são uma extensão das flappers ou uma extensão de sua esposa e de suas desilusões amorosas do passado (como, por exemplo, Ginevra King quem supostamente inspirou a personagem Daisy Buchanan de O Grande Gatsby)? Em Fitzgerald's Women in "Tender Is the Night” (1977, p. 40) McNicholas aponta que a visão do escritor – e consequentemente sua literatura – está intimamente interligada com suas experiências e é quase impossível separar um estudo de sua obra dos elementos biográficos incorporados nela. McNicholas concorda que essa ideia se aplica particularmente a F. Scott Fitzgerald “cujo relacionamento com Zelda Sayre foi por muito tempo a maior preocupação de sua vida, o alvo e a inspiração de seus feitos literários”. 

Consciente disso enquanto lia um pouco da ficção de F. Scott Fitzgerald, notei que suas personagens dividiam algumas das mesmas características, muitas dessas relacionadas a frivolidades – às vezes despertando no público impressões negativas. Por exemplo, Daisy Buchanan de O Grande Gatsby parece ser a personagem mais criticada pelos leitores e é praticamente bombardeada nos blogs. Ao consultar algumas páginas da internet, encontrei-me discordando dos ataques direcionados à personagem e isso me motivou a investigar as personagens femininas de Fitzgerald e a natureza de suas relações com os outros personagens – tendo em mente que essas personagens foram criadas a partir de um ponto de vista masculino durante a década de 20 e 30. 

Assim, decidi na minha pesquisa analisar algumas das personagens femininas de Fitzgerald com a proposta de: descobrir o modo como elas são representadas em suas histórias, examinar de que forma essa representação pode se opor (ou não) à visão idealizada que possuem da flapper e, a partir dos resultados, oferecer possivelmente outra perspectiva. 

Luíza Gama cursa Tradução e, no PET,  faz uma pesquisa sobre como as personagens femininas do escritor F. Scott Fitzgerald são representadas em sua literatura, orientada pelo professor Marco Alexandre de Oliveira.
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[1] Tradução minha, assim como as demais citações extraídas de originais em inglês sem indicação de tradutor.


Obras de referência: 
ALLEN, Frederick Lewis. Only Yesterday: An Informal History of the 1920's. New York: Harper & Row., 1931. 285 p. preface, cap. 1. 
BRUCCOLI, M. J; SMITH, S. F; KERR, J. P. (Org.). The Romantic Egoists: A Pictorial Autobiography from the Scrapbooks and Albums of F. Scott and Zelda Fitzgerald. University of South Carolina, 2003. 264 p. 
FITZGERALD, F. Scott. Winter Dreams. Metropolitan Magazine, dez. 1922. 
_____________. The Great Gatsby. New York: Scribner’s, 1925. 
_____________. Echoes of the Jazz Age. Scribner’s Magazine, n. 90, p. 459-465, nov.1931. 
MCNICHOLAS, Mary Verity. Fitzgerald's Women in "Tender Is the Night". College Literature, Vol 4, No.1, pp. 40-70, 1977. 
MILFORD, Nancy. Zelda: a biography. Nova York: Harper & Row, 1970. cap. 3, p. 8. 
TATE, Mary Jo. Critical Companion to F. Scott Fitzgerald: A Literary Reference to His Life and Work. Facts on file, 2007. 
ZEITZ, Joshua. Flapper: A Madcap Story of Sex, Style, Celebrity, and the Women Who Made America Modern. New York: Crown Publishers, 2006.