TRÍPTICO

por Carlos Pittella-Leite


I. NOITE
Ou blues para Peim

Abre a tua cara, ri, naufraga
Na sepultura desta noite.
Deixa que a música te açoite,
Engole o arpão da madrugada,

Chupa o estalactite, o chicote
Frio do ar, música gelada,
O Blues que o som do trem apaga...
Dança, antes que a razão te afoite.

Pé ante pé, desce os degraus
Desta estação velha - Bauhaus -
Tanto barata quanto rara,

De graça... vida de palhaço;
Contorce em macarrão teu aço:
- Naufraga, ri, abre a tua cara.


II. AMANHECER
Ou semiose chinesa para Ezra Pound sorrir

Não sei pra que serve o ego,
esta di-visão, quimera
de-marcar "era" & "não era",
ego ainda quando nego...

Que tal ver a forma inteira,
que o partido aparta, cego?
Sigo a ponte ao meio e rego
signos para a sementeira

de acordar acordos. Rogo,
pois a forma FLOR aFLORa
demonstrando a estrada, agora...

Pura analogia. Logo,
quem já for treinado em fogo
lerá em vez de Aurora.




III. MEIO-DIA
Ou dissoneto de Rogério "Caos"

Tal como Shakespeare cantou Southampton.
Não. Como Neruda quebrou as rimas.
Não. Como Pessoa quebrou o ego?
Não! Nem Petrarca nem Camões. Já chega!

Quero um soneto de verdade, vivo,
que rime como um furacão demente, que fale como o céu cuspindo gelo;
na primavera rime de repente,

cantando um sapo bobo de haikai
e termine faltando um quarteto

- ou não termine nunca, como o céu
e te arrebente de azul
e te arrebente de azul
e te arrebente de azul


"TRÍPTICO", de Carlos Pittella-Leite, ficou em 2º lugar na categoria Poesia do IV Prêmio Paulo Britto de Prosa e Poesia.