Catarata

por Sofia Vaz Rabinowitz 

da minha janela
o que vejo é muro
com grade ainda
tecendo uma divisão
o que enxergo são os limites das plantas
verdes escuras, senão
e suas sombras projetadas
numa parede branca
– mais cinza que essa que então –
desenhando molduras
mais duras que a grade a janela
moldaram em nãos
o sol, qualquer traço de luz
só me chega refletido
: sou beirada num muro de solidão
e as cortinas brancas
leves, que voam a qualquer brisa
só transparecem a mentira que são
tentam confundir-me a liberdade
como que se eu pudesse de fato
ter vontade
não tendo nem ainda
visão

eu recortada em verticais
entre / meadaentre / cortada
longe dos limites da razão
vejo as plantas que caem,
final de vida despencam
e proibidas que são
de me fazer ver mais além
saem do meu campo de visão
que não entra mais nada
mais ninguém

não sou cega porque não me dizem
enquanto não dizem não sou nem o quê
só percebo que resisto nas marcas da chuva,
na ferrugem do metal,
na visão do imundo,
talvez nas palavras que desejo,
mas daqui nada vejo
nada é o mundo
nada mesmo
e sendo só beira
toda vez que o vento entra
só me entra na alma poeira
e nesse muro branco, é essa a minha deixa: eu sigo a vida lá fora
nas suas rachaduras, pela sua sujeira.



"Catarata", de Sofia Vaz Rabinowitz , ficou em 2º lugar na categoria Poesia no II Prêmio Paulo Britto de Prosa e Poesia.