A redoma de vidro
por Juliana
Lopes
Olhava para o nada do lado de fora da janela, olhava para o tempo
surpreendentemente fechado. Desviou seus olhos lentamente das nuvens de chumbo
para as folhas das poucas árvores que convulsionavam perto dos postes e,
cantando uma música em voz fraca - já estava cantando antes? -, voltou-se para
o quarto. Viu a velha garrafa d’água e a máquina de escrever verde, em que
nunca conseguira escrever nada. Então olhou os globos de neve. Primeiro, viu o
de Veneza. Depois, Paris. Rio. San Diego. Nova York. Rapidamente procurou os
outros dois com um sobressalto, como se tivesse os perdido. Aliviada, viu que
Disney e Madrid continuavam onde sempre estiveram.
Não comprara nenhum
daqueles bibelôs de que tanto gostava (nem mesmo o do Rio!), foram presentes de
amigos e familiares. Observou o Cristo dentro de sua redoma. A torre Eiffel ao
lado da Estátua da Liberdade. Uma gôndola e um casal apaixonado. O Mickey
vestido de “Aprendiz de Feiticeiro”. Todos lindamente sufocados em suas
cápsulas perpétuas. Afogados pela mesma água parada há anos.
A chuva agora agitava
as árvores e cuspia nas janelas. De repente, sentiu-se bem por estar seca e
protegida. Com a mesma rapidez, sentiu-se igualmente mal. Queria que o vento a
arranhasse e que a chuva cuspisse na sua
cara. Engraçado esse ímpeto, ela não era assim. Mas foi. Nem calçou os
chinelos, permitiu-se ir como estava. Antes de ir, no entanto, deixou sua mão
libertar os jovens apaixonados da prisão de vidro.
A chuva entrando pela
janela aberta aumentava a poça em que a gôndola finalmente velejava.