Por que a poesia importa

por Danilo Castro

De todos os conhecimentos que um dia já detiveram prestígio e exerceram influência sobre as camadas letradas da sociedade, a poesia é, sem dúvida alguma, aquele cujo declínio é o mais misterioso e, ao mesmo tempo, uma das facetas mais deletérias do atual descrédito daquilo que no passado convencionou-se chamar de “alta cultura”. Todo o arcabouço da cultura ocidental começa com a poesia, dos poemas homéricos à Bíblia, e seria um grave erro acreditar que uma civilização possa ignorar suas origens sem sérios prejuízos para o seu desenvolvimento.

É um dos mais curiosos paradoxos da modernidade que a literatura tenha sido deslocada do centro da cultura justamente quando a habilidade de ler e produzir textos escritos deixou de ser um privilégio de uma elite e se estendeu a parcelas cada vez maiores da sociedade. Deve, ainda, haver mais do que uma mera coincidência no fato de que foi a poesia a principal vítima desse processo. Se perguntadas, a maioria das pessoas professará, quando não uma paixão, ao menos admiração pela poesia. Quantas, no entanto, de fato cultivarão ou sentirão real prazer no hábito de ler textos poéticos?

Constatar tal fato, entretanto, de pouco serve se não procurarmos compreender as causas do fenômeno. Toda forma de arte é governada por convenções particulares, cujo desconhecimento nos sujeita às mais variadas formas de incompreensão. Isso não quer dizer que o aprendizado formal seja imprescindível para a fruição de um objeto artístico – nenhuma criança, por exemplo, precisa ser treinada para compreender o que se passa em um filme ou programa de televisão, simplesmente porque ela já absorveu, através da exposição, as convenções que regem essas formas de arte. Quando a poesia ocupava uma posição de centralidade na nossa vida cultural, as suas convenções eram absorvidas natural e intuitivamente. Hoje, para conhecê-las, é preciso estudá-las.

Nesse sentido, as instâncias tradicionais de ensino nada têm feito para ajudar a promover a leitura da poesia. Nas salas de aula, os aspectos formais da poesia são apresentados de forma estanque e abstrata, sem demonstrar como o seu domínio pode contribuir para uma melhor compreensão de um poema. No mais das vezes, as discussões são reduzidas a interpretações vagas e altamente subjetivas, que não estimulam o aluno a construir seu juízo crítico a partir de uma apreciação técnica e consciente. Para completar, os alunos são incentivados a ler, mas raramente a ouvir um poema. Não surpreende, assim, que a poesia lhes pareça uma arte desinteressante e difícil de compreender.

Para tirar o máximo de um poema, é preciso compreender os recursos formais de que o poeta lança mão para comunicar um sentido. E, para compreender esses recursos, é preciso antes reconhecer que a poesia, apesar de ser estudada como um gênero literário, é musical na sua essência. De fato, tudo indica que, originalmente, a declamação de poemas era sempre acompanhada por instrumentos musicais. Por essa razão, ao nos depararmos com um poema, devemos nos preocupar sobretudo em escutá-lo, a fim de perceber os elementos que nos escapariam em uma leitura silenciosa: o ritmo, a cadência, a repetição de sons. Acima de tudo, buscar compreender como esses elementos afetam a nossa sensibilidade.

O ritmo é um aspecto essencial de toda a nossa experiência: ele está presente desde a batida do nosso coração até a forma como andamos. Basta olhar em volta e encontraremos inúmeros exemplos de atividades nas quais o ritmo constitui uma indiscutível fonte de prazer, como o sexo e a dança, para ficar apenas nos mais óbvios. A primeira experiência prazerosa de todos nós é a sucção ritmada do leite do seio materno, e os primeiros sons que emitimos já denunciam a natureza rítmica da linguagem. E a poesia é, acima de tudo, a comunicação de significados através de aspectos rítmicos da linguagem.

Línguas diferentes possuem diferentes formas de expressar ritmo. No grego antigo e no latim, o ritmo advinha da alternância entre sílabas longas e sílabas breves, uma distinção que acabou em praticamente todas as línguas modernas. Línguas acentuais, como o inglês antigo, se valiam apenas do acento em determinadas sílabas para conferir ritmo a seus versos. Algumas línguas, como o francês, consideram apenas o número de sílabas, sendo o acento quase irrelevante. Outras, como o inglês moderno e o português, levam em conta tanto a contagem quanto a acentuação das sílabas.

O reconhecimento e compreensão do ritmo que surge do número de sílabas em um verso, da alternância entre sílabas fracas e sílabas fortes ou da repetição de certos elementos fônicos é essencial para a adequada apreciação de qualquer poema. Metro é o nome que damos ao padrão regular que emerge do ritmo predominante em um poema. No português, por exemplo, se em um poema predominam os versos com dez sílabas, dizemos que se trata de um decassílabo. No inglês, quando dizemos que um poema foi escrito em pentâmetro iâmbico, queremos dizer que a maior parte de seus versos possui cinco pés iâmbicos, isto é, cinco unidades de duas sílabas das quais a primeira é átona e a segunda é tônica.

É parte da condição humana a busca constante por ordem, que se manifesta das mais variadas formas. Por outro lado, também nos sentimos atraídos pelo imprevisível, pela surpresa que resulta da quebra das expectativas estabelecidas. Assim é também na poesia: nosso desejo por ordem, que se manifesta na organização métrica, deve ser constantemente desafiado. Toda boa poesia emerge justamente dessa tensão entre o fantasma do metro e as irregularidades impostas pelo ritmo. Um poeta que segue meticulosamente o mesmo metro do início ao fim de um poema pode até ser admirado por sua perícia, mas dificilmente conseguiremos superar o tédio que a repetição infindável de certos padrões provoca.

Se o estudo do metro é fundamental para uma plena compreensão da poesia, não se deve esquecer que ele é uma abstração. Mais do que saber dizer se um verso é uma redondilha ou um alexandrino, ao se analisar metricamente um poema deve-se ser capaz de reconhecer e explicar os efeitos que tais artifícios formais provocam no leitor. O poeta americano Ezra Pound dizia que o ritmo deve ter sentido. O que a análise métrica pode fazer é ajudar a recuperar esse sentido.

Se aceitamos que é preciso aprender a ler poesia, devemos responder outra questão, ainda mais difícil: por que a poesia importa? Em primeiro lugar, aprender a ler poesia e arriscar-se a escrevê-la pode ser uma excelente forma de aprimorar habilidades essenciais para quem deseja se expressar bem. William Faulkner dizia que todo romancista é, no fundo, um poeta frustrado; e talvez tivesse razão o escritor americano, pois a prosa mais sofisticada sempre se aproxima do que a linguagem poética tem de melhor. O poeta é aquele capaz de expressar o máximo da forma mais concisa possível, e essa é uma capacidade que todos deveriam cultivar.

Em segundo lugar, adentrar o inesgotável universo da poesia é ter acesso ao que de melhor a tradição ocidental já produziu. Para Shelley, poeta romântico inglês, os poetas são os legisladores não reconhecidos do mundo. O homem que conhece Homero, Dante, Shakespeare e Camões pode não levar nenhuma vantagem objetiva sobre aquele que não conhece, mas certamente é mais rico em cultura, esse bem tão desprezado nos dias atuais. A poesia, como toda forma de arte, alarga os horizontes e nos impele à reconciliação conosco e com o mundo que nos cerca. Com isso, se não nos torna mais sábios, talvez nos faça um pouco menos cínicos.

Por fim, Oscar Wilde dizia que toda arte é essencialmente inútil, e, ao nos depararmos com a beleza de um poema, é impossível não reconhecermos a verdade contida nessas palavras. Em mundo obcecado pelo uso que se pode fazer de tudo, a poesia nos lembra que certos valores são absolutos; que certas coisas bastam por si próprias; que as coisas mais importantes da vida são justamente aquelas que não têm utilidade alguma. E essa é, talvez, a maior contribuição que ela pode dar à humanidade nos dias de hoje.

Danilo Castro cursa o último período de bacharelado bilíngue e, no PET, faz uma pesquisa sobre métrica na poesia de língua inglesa, orientado pelo Professor Paulo Henriques Britto.

Obras de referência:
ALI, Manuel Said. Versificação portuguesa. São Paulo: Edusp, 2006
CHOCIAY, Rogério. Teoria do verso. McGraw-Hill do Brasil, 1974
FUSSELL, Paul. Poetic meter & poetic form. McGraw-Hill, 1978
LENNARD, John. The poetry handbook. Oxford: Oxford University Press, 2005
ROBERTS, Phil. How poetry works. Penguin Books, 2000